A tristeza é vizinha da felicidade (o Blur não vem)
O Pulp também não, mas isso já era esperado.
O Brasil é um dos poucos países do mundo ocidentalizado que não considera o Blur headliner de festival ou capaz de encher uma arena. É triste.
A banda acaba de conseguir um disco número 1 pela sétima vez no Reino Unido e o Damon Albarn se tornou a primeira pessoa na história a fazer isso em um mesmo ano com dois projetos diferentes. O Gorillaz também tinha conseguido essa marca em 2023 com Cracker Island.
Depois que você ultrapassa a imagem do rostinho bonito do britpop, você percebe que o Damon é uma figura interessante demais. Um exemplo? Ele praticamente criou sozinho o movimento que consagrou Oasis, Pulp e uma miríade de bandas inglesas legaizinhas depois de sua primeira turnê nos EUA.
O Blur viajou com o disco Leisure para a América e tomou um pau do grunge. Foi então que ele resolveu se fechar e fazer música com identidade britânica. Park Life já é um exercício de observação da vida de Londres, algo que virou um dos carros chefes dele em alguns de seus melhores momentos.
Atualmente, o Gorillaz engloba tudo o que a nova geração gosta e carrega coisas que ainda podem encantar parte do público que embarcou na jornada que o Damon iniciou nos anos 1990. Mesmo assim, ele tem saudade ou algum sentimento de gratidão com os antigos colegas e de tempos em tempos volta para o Blur.
Em uma entrevista para AFP o Damon falou que escreveu 20 músicas sem falar com ninguém e chamou os outros integrantes para o estúdio para escolher quais deveriam entrar no álbum novo. Ele também diz que se sente profundamente triste aos 50 anos, mas que essa tristeza está bem perto da felicidade, e que é como se agora as pessoas lembrassem que ele existe.

Chame de bipolaridade ou instinto de sobrevivência, mas me identifico demais com essa vizinhança onde tristeza e felicidade moram lado a lado. O David Foster Wallace foi paraninfo em uma formatura e o seu discurso sobre como encarar a vida adulta ficou famoso. Chama Isso é Água. Mas o que sempre me pegou dele foi uma conversa relatada pela irmã onde ela faz a burocrática pergunta: “Como você está?”. A resposta não poderia ser mais sincera - “Eu não estou bem, estou tentando ficar bem, mas no momento não estou bem”. É sobre isso e nem sempre está tudo bem.
No disco novo do Blur, The Ballad of Darren, essa tristeza fica evidente. The Narcissist fala sobre olhar no espelho e ver várias pessoas, mas também sobre ego, drogas e confusão (não o tipo de confusão da sessão da tarde) e desviar o olhar da escuridão. St. Charles Square retoma o talento de cronista da vida britânica que eu citei antes, mas é Barbaric que está virando minha favorita. Nela, ele fala sobre perder um sentimento que ele jamais pensou em perder e que isso deixa ele sem rumo. Coisa de quem terminou um relacionamento importante, certo? Mas em uma entrevista que o Mario Freire me mostrou o Damon explica que a letra pode ser interpretada de uma forma positiva, como uma catarse depois de sair da depressão.
Cara, você tem que ouvir isso
O Anthony Brugess, autor de Laranja Mecânica, escreveu um conto sobre um encontro fictício entre Shakespeare e Cervantes. É curioso porque existe uma teoria de que Shakespeare não existiu e dentro dela se especula quem seria na verdade o autor das obras dele. Uma das figuras históricas apontadas é exatamente Cervantes. Seria um encontro dele com ele mesmo? Uma viagem para dentro? Acho que o Brugess não faz essa reflexão.
Existe também a ideia de um zeitgeist em diferentes momentos. Pessoas legais vivendo em um mesmo lugar e no mesmo tempo histórico: verão do amor em São Francisco, punk em NY/Londres, os escritores da geração perdida dos EUA morando em Paris junto com outros artistas fantásticos.
Fiquei pensando esses dias que a Laura Jane Grace mora em Chicago e odeia a cidade. Me pergunto se ela já foi a um show do Wilco, se Jeff Tweedy já viu o Against Me! tocar, se já rolou uma jam no loft do Wilco.
Não tenho notícia de nada disso, mas o Wilco anunciou um disco novo e já lançou o primeiro single. Na newsletter dele, o Jeff Tweedy diz que Evicted é sobre ser trancado pra fora do coração de alguém e não ter os melhores argumentos para voltar a ter a custódia desse coração. Desde o Uncle Tupelo, com Give Back The Key To My Heart, o bicho tem dificuldades com corações trancados. Precisa arrumar um chaveiro, Jeff.
Na newsletter o Jeff também fala sobre esse ser um disco art-pop. Na minha opinião, o Wilco faz um tempo que tem uma sonoridade central que pende para outros ritmos em determinados momentos, mas que não foge muito da sua essência. Acho que dificilmente a banda vai repetir algo revolucionário como fez em Yankee Hotel Foxtrot, ao mesmo tempo, as chances de fazer um disco ruim são mínimas. Vamos aguardar.
Ainda sobre encontros. No último mês estive em shows (e discotecagem) intimistas e extremamente baratos de Kiko Dinucci, Dj Hum e Jards Macalé. Eu não sei onde o Jards mora, mas saber que o Kiko pode frequentar o mesmo supermercado que eu, beber cerveja no mesmo boteco é um alento para uma São Paulo que está doente. Ele escolheu continuar a viver aqui. Aliás, foi numa entrevista com ele que eu tive uma das melhores conversas sobre a cidade. O dia que ele deixar SP é porque a coisa tá feia.
Já que eu falei sobre Jards e Kiko, vocês deveriam ouvir Cortes Curtos do Kiko e o Besta Fera do Jards (auxiliado pelo Kiko). Dois discaços.
Fim das transmissões.