A verdadeira dor e os caminhos percorridos em SP
Só o Oscar mesmo pra dar prêmio de roteiro pra uma excursão da CVC
Chegamos atrasados e o caixa do cinema avisou que a sessão seria na sala do outro lado da rua.
- Aquela que vão demolir, não vão demolir, vão demolir, não vão demolir?
- Essa mesma
Pra quem não sabe, São Paulo tem uma sala de cinema que fica numa casinha antiga super bonita e arborizada que sofre pressão de construtoras há anos para ser demolida e virar mais um prédio feio. Imagina o karma de viver em um apartamento amaldiçoado por todos os cinéfilos hipsters da cidade e alguns amantes da arquitetura. Eu não arriscaria.

Fomos assistir ao filme A verdadeira dor, de Jesse Eisenberg, que interpreta David, um cara chato que embarca em uma excursão da CVC para a Polônia com seu primo insuportável, Benji, que rendeu um Oscar melhor ator coadjuvante para Kieran Culkin.
Claro que a visita um antigo campo de concentração tem um efeito dramático maior do que se a excursão fosse para Caldas Novas, mas o roteiro não aprofunda muita coisa na viagem nem nos personagens. Com a exceção de um desabafo que David faz sobre Benji aos outros integrantes do grupo que viaja com eles, nós não temos muitas informações de como eles chegaram ali e por que, apenas que é um tour para lembrar a vó judia que morreu recentemente.
A impressão que temos é que Kieran e Jesse interpretam eles mesmos. Imagine ganhar o prêmio mais importante da sua profissão por ser você mesmo por uma hora e meia. Deve ser gostoso. Mas o filme também tem coisas interessantes como o fato de o começo e o fim serem iguais e cenas muito interessantes, como o chilique que Benji dá por estarem na primeira classe de um trem em uma viagem para relembrar judeus que foram levados para campos de concentração em trens. Tudo isso para depois perderem o ponto de descida, terem que pegar um outro trem sem pagar e ficarem driblando o cobrador. No fim da cena, David percebe que por conta da fuga dos cobradores, eles acabaram ficando de novo na primeira classe. “Tudo bem, dessa vez nós conquistamos o direito de estar aqui”, diz Benji.
Vale a pena assistir, mas mostra como não precisa de uma muita coisa para ser considerado pelo Oscar. O filme também foi indicado a melhor roteiro para Jesse Eisenberg, que também dirige.
A Bat-idosa e a menina que fala cachorrês
Essa história do cinema que está sempre sob ameaça de demolição me fez pensar sobre o meu tempo aqui em São Paulo e como a cidade está sempre mudando (geralmente pra pior), e eu também (só que eu tento melhorar).
Quando cheguei aqui, ficava perplexo com a preguiça das pessoas em andar de um lado pro outro. Cheguei a percorrer mais de 50 km atrás de rolê nessa cidade. Uma época um amigo se mudou para o Brooklyn e não era raro dar carona pra ele depois de alguma festa no centro da cidade, completamente fora do meu caminho.
Com o tempo essa preguiça das grandes distâncias vai entrando na nossa pele. Uma vez minha mãe veio me visitar e quis ir ao Morumbi Shopping, parecia que eu estava indo para outra cidade. Prometi pra mim que jamais voltaria a esse shopping, tudo para depois de alguns meses começar a trabalhar a duas quadras dali e assim estou há quase 5 anos. Parece que São Paulo vai traçando nosso destino sem perguntar nada.
Quando você deixa de cruzar longas distâncias, os pequenos trajetos vão ficando menos impessoais. Depois que nós adotamos o Marco Antônio, nosso shihtzu muito bravo e bonzinho, comecei a andar mais a pé pelo bairro.
Você vai conhecendo todo mundo que tem cachorro pelo nome do cachorro. Minha vizinha de porta, por exemplo, demorei anos para saber que chamava Maria, mas o Tico, também um shihtzu, eu chamava pelo nome desde o primeiro dia.
Um tempo atrás comecei a prestar atenção em uma idosa que colocava frutas no jardim para atrair passarinhos. Realmente sempre tem um ou outro ali tomando uma água, mas durante a noite a movimentação de morcegos decolando e pousando da árvore dela é de uma movimentação aérea igualada apenas pelo aeroporto de Congonhas. Eu sempre passo agachado pela casa dela e dei o apelido de bat-idosa.
Nessas minhas andanças também acabo cruzando de vez em quando com uma amiga de longa data que sabe o nome de absolutamente todos os cachorros da região. O Dudu, a idosinha de três pernas Charlote e muitos outros. Ela também sabe quando o cãozinho é bravo ou está apenas latindo pra chamar atenção e poder cheirar o amiguinho. Eu achava que a Charlote era uma cachorrinha ranzinza, mas na verdade ela só quer dar oi. A Ana, essa minha amiga, só pode falar cachorrês. É a única explicação. Ela também está quase sempre com a elegância de quem vai tomar um café na Champs Elysée, enquanto eu pareço de ter voltado do futebol com os amigos.
Por fim, lembro do caminho pro trabalho num plantão de carnaval. Todo mundo fantasiado e já bêbado uma da tarde e eu ainda nem tinha começado a trabalhar. Aí vi um cara sentado lendo esperando a roupa lavar numa daquelas pequenas lavanderias. Eu não tenho a foto do cara mas a lavanderia é essa aí embaixo. Por algum motivo, aquilo me deu paz pra ir trabalhar.
Hoje não tem dica de música, mas acho que conversa com o texto essa versão que a Schlop fez de LCD Soundsystem.
No próximo domingo eles tocam lá no Veganasso, um lugar da zona leste tradicional.
Tenha uma boa semana.
Mudei pra uma casa no Tatuapé. Em uma semana conheci todos os vizinhos por causa que todo mundo vem conversar com os cachorros.
Eu gostei de A verdadeira dor; nada demais, mas bonitinho. Mas chorei de rir com prêmio de roteiro pra excursão da CVC