Alguém já reparou que a palavra olho parece um par de olhos?
Ruminações antigas sobre São Paulo e a vida
Hoje eu cheguei tão tarde do trabalho que até o Marquinho (o cachorro) não teve paciência de fazer companhia. Ele deu um oizinho cansado e voltou pra caminha.
Toda vez que eu fico sem ideia pra newsletter, volto ao Facebook e procuro textos antigos. A rede do Zuckerberg me perguntava o que eu estava pensando e eu não poupava nada, saía escrevendo como se minha vida dependesse disso.
Escrolando muito, encontrei algumas coisas que eu gostei, começando pelo título idiota que está no assunto do seu e-mail (se você estiver lendo pelo e-mail). É bobo, mas a palavra olho realmente parece formada por dois olhos e um nariz nada simétrico no meio. Também achei ruminações sobre minha relação com a cidade de São Paulo. A primeira imagino que tenha sido em período eleitoral, SP tem esse talento de sempre nos deixar desesperançosos ao fim das eleições.
A segunda é um desejo de feliz ano novo. Quem já assistiu “Curb your enthusiasm” sabe que o Larry David tem uma tolerância de três dias para os desejos de feliz ano novo. Eu vou forçar a barra aqui e te desejar um feliz 2018 com 7 anos e meio de atraso. Quem sabe isso não mude alguma coisa no espaço-tempo e a gente volte a ter um presente mais simples, sem guerra, apocalipse climático e ameaça nuclear. E se um gordinho ainda estiver dormindo no metrô em 2025, é melhor alguém checar os sinais vitais dele porque já faz tempo.
O passado começa agora.
1 - Gosto de São Paulo. Não tanto quanto pão com requeijão ou batata frita.
Sou suspeito pra falar porque de onde eu vim, se você não se casa até os 25 anos, você é um completo fracassado. Aqui estou eu no meu décimo ano de fracasso. Ainda bem.
Hoje fui parabenizado por buscar um sonho que jamais aconteceu. Não existe nada mais carreirista que um emprego, mas é preciso pagar a conta de luz, o condomínio, e, se possível, o cinema e o vinil. Um emprego é um emprego é um emprego.
O paulistano é conhecido como aquela pessoa fria, com pressa, seca. Eu nem sei se o paulistano ainda existe. Digo isso no bom sentido. Mas por que gostar dessa cidade que tem tanta desigualdade, pessoas morando nas ruas, trânsito, especulação e desfiguração imobiliária? Porque aqui também tem gente que luta contra isso.
Ainda ontem fui a uma das minhas lanchonetes preferidas e, depois de comer, perguntei com a cara mais séria que pude: "Se eu fosse pagar, quanto seria?". "Seria 22 reais", respondeu o garçom com a cara mais séria que ele conseguiu. Dei um sorriso e 3 reais de gorjeta.
Hoje, voltando pra casa de metrô, enquanto ouvia música, vi um gordinho dormindo sentado. Cada vez que a voz anunciava uma estação, ele acordava. Depois voltava a dormir. Ele veio comigo até a última estação.
Eu desembarquei e ele continuou dormindo. Ele pode muito bem estar dormindo até agora no metrô.
Mas por que não o Rio de Janeiro? É uma das cidades mais bonitas que eu já visitei, e provavelmente das melhores vidas que o homem pode ter se tiver dinheiro pra morar em Ipanema(eu não tenho). Mas o Rio me passa a impressão de ser a cidade de quem sabe o que quer da vida. Eu não sei.
Além disso, de todas as vezes que fui ao Rio, meu único momento de alegria foi quando Chan Marshall disse: "Once I wanted to be the greatest...". Eu também, eu também.
São Paulo parece não saber pra onde vai e isso me fascina. Parecemos todos jovens adultos sem saber o que fazer logo que saímos da casa dos pais. Mesmo os que já dobraram o Cabo da Boa Esperança, mesmo aqueles que nem mais esperança têm. E é esse tipo de gente que eu gosto.
Outro dia conheci uma menina que sempre comprava os últimos produtos do supermercado. Ela tinha pena de deixar aquela última embalagem sozinha. Ela colocava todos os cabides do armário no mesmo sentido, tinha um gato e vontade de ser valorizada. Ela era carioca e não ligava tanto pro Rio(algo raro, acho), mas também não gostava de São Paulo.
Eu gosto. Não tanto quanto pão com requeijão ou batata frita.
2 - São Paulo, 3 de janeiro de 2018
Eu passei 6 dias em Ribeirão Preto em um tipo de detox. Muita alegria por estar ao lado da família e alguma tristeza de fim de ano. Prometi cuidar melhor de mim em 2018, me exercitar, me alimentar bem, ser mais educado e paciente na medida da honestidade.
30 minutos de São Paulo e me vejo bebendo em um karaoke. Algumas horas depois e estou em uma casa noturna das piores que a cidade pode oferecer, no coração da Vila Madalena. Que cidade filha da puta. Um bêbado esbarra em um extintor de incêndio e pede desculpas. Ainda existe algum tipo de cordialidade.
Por muito tempo eu vivi mergulhado no tédio e queria apenas que algo acontecesse, mesmo que fosse algo ruim, um braço quebrado, um acidente não letal, um soco na cara.
Aconteceu tanta coisa ruim que eu comecei o ano querendo só paz, mas aí tem São Paulo. Sei lá, seja delicada comigo este ano, São Paulo.
Meu desejo é que todos os amigos tenham um ano leve, mas, se não der, se tiver que pular no fogo, que seja algo bom, que seja ao menos excitante.
Feliz 2018 a todos.