Dispositivos de realidade diminuída e mais notícias sobre o espaço
E a história do chefe da tripulação da Apollo 8 que roubou uma das fotos mais bonitas da história de seu subordinado
Um tempo atrás, Mark Zuckerberg mudou o nome da sua empresa de Facebook para Meta. A decisão tinha a ver com seus infrutíferos investimentos em um ambiente de metaverso e dispositivos de realidade virtual (ou realidade aumentada, como eles batizaram posteriormente), mas também com o enorme escândalo de uso de dados de usuários da rede social. É como se a Justiça descobrisse que o Fernandinho Beira-Mar agora se chama Gustavinho Longe da Costa e emitisse automaticamente um habeas corpus de soltura. Não sei como os advogados nunca pensaram nisso.
O Facebook e suas outras redes são usados para todo tipo de crime. Tráfico de pessoas, pornografia infantil, golpes financeiros etc. Entretanto, foi só quando Zuck pirou e começou a gastar bilhões (que daria para acabar com a fome em alguns países, ajudar a criar a vacina da covid e financiar pesquisas contra as mudanças climáticas) em um mundinho paralelo que os investidores se preocuparam. Mark percebeu depois que poderia criar uma realidade paralela nesse mundo mesmo e começou a dar mais atenção à inteligência artificial. Aqui no Brasil as autoridades já liberaram o uso das nossas informações para treinar os robozinhos da Meta. Pode colocar no seu currículo: treinador involuntário de robôs. Você também pode se opor a ter seus dados usados para essa finalidade.
A inteligência artificial já está tirando emprego de muita gente. Um amigo publicitário disse que é questão de (pouco) tempo para que anunciantes prefiram comerciais com programação de IA no lugar de filmagens com atores, roteiristas, diretores e todo tipo de trabalhador ligado ao audiovisual. Sai mais barato.
O Ted Gioia mostrou neste texto que o Google está usando imagens de inteligência artificial no resultado das buscas de figuras históricas, até de pessoas que têm fotos documentadas mostrando como elas eram (Ele ficou particularmente indignado que o Beethoven ficou parecido com o Mr. Bean). Nossa historiografia digital já é complicada do jeito que é. Mesmo com o Internet Archive, não temos nada parecido com os arquivos públicos físicos que guardavam jornais, revistas e outros documentos físicos. E tenha em mente que o Internet Archive enfrenta alguns processos por direitos autorais que podem colocar em risco esse grande acervo.
A quantidade de informações que a gente cria na internet desaparece com a mesma velocidade que é produzida e talvez tenhamos no futuro um passado bem vago e distorcido. Coloque nessa equação robôs fazendo imagens e textos que não estão 100% amparados na realidade. Confuso? Pense que robôs de segunda geração provavelmente vão ser treinados com essas informações bizarras feitas pelos robôs da primeira geração (Beethoven parecido com o Mr. Bean, por exemplo). Verdadeiros dispositivos de realidade diminuída.
A morte do fotógrafo do nascer da Terra
O astronauta William Anders, autor da icônica foto acima (chamada “Earthrise” - nascer da terra em português), morreu no último dia 7 de junho aos 90 anos. Alzheimer? Câncer? Diabetes? Não, acidente de avião. Essa matéria da revista Piauí, enviada para mim pelo Marco Antônio Carvalho, conta que o chefe da missão Apollo 8, Frank Borman, não queria que a imagem fosse feita por não se tratar de uso científico do filme fotográfico. Anders desobedeceu a ordem e, quando os dois voltaram à Terra, Borman assumiu o crédito da foto e contou a jornalistas que Anders tinha sido contra o clique. Aqui na Terra isso é bem normal, mas esperávamos mais dos nossos homens no espaço, que grande filho da puta. Posteriormente, um pesquisador comparou uma gravação feita na aeronave com o timbre de voz dos dois e descobriu que Borman estava mentindo.
Isso tudo me fez lembrar dessa fala de Anders que está no livro Altos Voos e Quedas Livres, do Julian Barnes (injustamente esquecido pela lista do NYT).
Estávamos olhando para o nosso planeta, o lugar onde evoluímos. Nossa Terra era bem colorida, bonita e delicada comparada à superfície lunar muito áspera, surrada e até chata. Acho que ocorreu a todos que tínhamos viajado 240.000 milhas para ver a Lua e era a Terra que realmente valia a pena olhar.
Bonito, né? Tenha em mente que a missão Apollo 8 aconteceu em dezembro de 1968 e o planeta azul estava um caos. Martin Luther King Jr. e Robert Kennedy tinham sido assassinados, a sanguinária guerra no Vietnã estava comendo solta. Os estudantes franceses botavam fogo em Paris e pensavam em um mundo melhor, mas aqui no Brasil a ditadura militar entrava na sua fase mais brutal com o AI-5. A Apollo 8 também serviu como teste para a Apollo 11, que levou o primeiro humano à Lua. “Um pequeno passo para o homem, mas um gigantesco salto para a humanidade”, diria Neil Armstrong.
Floating in the most peculiar way
Recentemente, o Fantástico voltou a falar sobre os astronautas que estão presos na Estação Espacial Internacional. O jornalista Álvaro Pereira Júnior entrevistou o canadense Chris Hadfield, que ficou famoso ao cantar Space Oddity, do Bowie, no espaço. Ele disse que vomitou muito nas primeiras semanas e que meteoritos batiam o tempo todo na estação, inclusive danificando a fuselagem. Um cenário desesperador. Com todos esses perrengues, Hadfield afirmou que essa foi a melhor época da vida dele.
Cara, você tem que ouvir isso
Semana passada fui trabalhar ouvindo o álbum novo do Nick Cave, Wild God, e quando chegou na quarta ou quinta faixa um coralzinho de igreja começou a ficar mais destacado. Na hora, pensei “até onde eu vou atrás desse homem?”. Eu adoro a música dele, o estilo, os shows e até algumas ideias. São os dogmas religiosos, a presença na coroação do Charles e a postura dele em relação à guerra de Gaza que me incomodam. Aí lembrei que já passei dias escutando um disco dele chamado Seven Psalms e segui dirigindo sem questionar mais nada. Wild God talvez seja o trabalho mais quadrado desde Push the sky away. Isso é um elogio. As canções têm mais vida própria, no lugar de um bloco que parece uma trilha de filme, como em Skeleton tree, Ghosteen e Carnage (esse somente dele e do Warren Ellis, sem os Bad seeds), que eu também adoro. Sim, dá pra separar o artista da obra e parece que eu vou com o Nick até o caixão. Nada mais apropriado.
Outra pérola lançada recentemente é Manning Fireworks, do MJ Lenderman (Jake Lenderman compõe e toca quase tudo). A minha preferida é She’s leaving you, o primeiro single do álbum, que tem a participação da Karly Hartzman. Os dois eram namorados, e ele tocava guitarra na banda dela, a Wednesday, que também é ótima. Ela também tocava nesse projeto dele, não sei como ficam essas participações depois que eles se separaram. Esse primeiro single, uma música de fim de relacionamento, foi lançado na mesma época que eles terminaram. O Jake também tocou com a Waxahatchee e é preciso dizer que, além de escrever músicas lindas, ele é um grande guitarrista. Se você não conhece nada dessas bandas, mas curte um Wilco, Pavement e Jason Molina, só fecha o olho e aperta o play. Confia.
Nova York tem uma nova onda de bandas legais
Não sei se o pessoal se muda pra lá ou se tem alguma coisa na água da cidade, mas a cada 20 anos Nova York tem uma nova leva de bandas interessantes. Eu já falei aqui do Telescreens e eles compartilharam esse top 5 escolhido pelo Zane Acord, do The Thing (um dos destaques dessa cena). Além do Telescreens, ele cita Native Sun, Voyeur, The Mystery Lights e Jalen Ngonda (esse homem tem uma voz surreal de linda). Vale ir atrás de todas.
Terminando de escrever isso, dei de cara com esse texto. Entre os artistas que estariam fazendo Nova York viver um novo momento, segundo ela, está o The Dare. Ela diz que parece com LCD Soundsystem, eu achei que lembra muito o começo do The Rapture (quem já leu Meet me in the bathroom ou viu o documentário que o livro inspirou sabe que as bandas têm uma grande proximidade. Fica pra uma próxima explicar isso). Ele produziu uma música da Charlie XCX, que é artista favorita de muita gente atualmente. Você já sabe o que eu penso dela.
Aproveito para compartilhar a playlist de tudo que já passou por aqui e até alguma coisinha a mais.
Na penúltima newsletter, curiosamente com título A falha das coisas infalíveis, eu cometi uma falha. Eu disse que a banda Miragem estava lançando um EP quando na verdade está para lançar um álbum. Todo sucesso para eles. Quem me alertou para o vacilo foi a Mariana Nogueira, que dirigiu uma série de clipes deles. Coisa linda.
Fim das transmissões.