Eu só queria transar, mas acabei conhecendo o parlamento alemão
E como a próxima eleição legislativa do país deve marcar mais um avanço da extrema direita na Europa
Aviso: Sempre que usar a sigla FDP neste texto, estou me referindo ao partido liberal pró-mercado alemão e não estou necessariamente direcionando uma ofensa a eles. Essa é a sigla que eles usam em alemão, que significa Democratas Livres (em tradução também livre).
Sei que esse título faz esse texto parecer uma daquelas antigas reportagens gonzo da Vice. Não é. Eu estava de passagem por Berlim em 2015 e durante uma noite em uma balada chamada Monarch conheci uma mulher.
Nós conversamos por algum tempo e quando eu fui tentar convidá-la para esticar a noite, ela me disse que precisaria voltar para casa por causa do filho. Ela me passou o e-mail para continuarmos conversando. Sim, nessa época as pessoas usavam e-mail de forma recreativa. Eram tempos mais simples.
Eu não tinha nem beijado a alemã, mas a esperança de que alguma coisa pudesse acontecer era real. No outro dia, ainda de ressaca, eu enviei um e-mail perguntando como poderíamos nos encontrar. Ela tinha me dito que trabalhava com os Verdes, um partido menor na época que fazia oposição ao governo de Angela Merkel.
Na resposta, ela pedia para que eu fosse até o trabalho dela para conversarmos. Só me passou um endereço e pediu para levar passaporte.
Cheguei ao local no horário combinado e depois de algum tempo ela apareceu. Passei por uma segurança sem entender muito e só depois de algum tempo percebi que eu já estava dentro do parlamento alemão, o Reichstag. Ela fez o tour completo comigo, me levou em poucos minutos à cúpula do prédio e foi explicando o que fazia, como funcionava o trabalho na política e também perguntando sobre a minha realidade no Brasil.
Me senti no último episódio de Spin City, com Michael J Fox. Pra quem não se lembra, a série mostrava a realidade no gabinete de um prefeito imaginário (e muito burro) de Nova York e o Fox era uma espécie de vice-prefeito ou chefe de gabinete. Foi o último trabalho mais robusto dele desde que o Parkinson evoluiu.
Para desligar o personagem da série, os roteiristas criaram um escândalo na prefeitura e o Mike, personagem de Michael J Fox, assume a culpa para livrar a cara do prefeito. A última cena é um e-mail dele para a namorada dizendo que estava trabalhando em Washington com lobistas do meio ambiente e que teria uma reunião importante naquela manhã. Ele reclama que Washington não tinha muitas placas até descobrir que o local da reunião era a Casa Branca.
Voltando à minha viagem a Berlim. Claro que não aconteceu nada de ordem romântico/sexual e também não mantivemos contato depois daquilo. Guardo essa história com carinho por ter feito uma visita divertida e inusitada que nem estava nos meus planos, entrando em uma porta lateral do parlamento.
O avanço da extrema direita na Alemanha
A minha decepção amorosa berlinense e meu passeio inusitado pelo Reichstag não me credenciam a especialista em política alemã, mas vou tentar explicar um pouco sobre a eleição que acontece no próximo domingo, 23.
Questões externas como a guerra na Ucrânia e em Gaza e a crise migratória ajudaram a minar o governo atual do chanceler Olaf Scholz, inclusive economicamente. Uma coalizão capenga entre o Social Democrata (centro-esquerda), os Verdes (partido de centro-esquerda que minha anfitriã trabalhava) e o FDP (centro-direita pró-mercado) segurava a atual gestão e foi esfarelada depois de um desentendimento sobre o orçamento. Scholz demitiu seu ministro das Finanças, do FDP, e com isso passou por uma votação de desconfiança, perdeu e o parlamento foi dissolvido.
Mas, talvez, a guerra na Ucrânia tenha sido o primeiro e principal obstáculo de Scholz. A Alemanha era extremamente dependente de gás, petróleo e até carvão russos. A energia ficou mais cara e escassa e o país teve que acelerar a transição energética (isso pode ser bom no futuro, mas pode muito bem ser desfeito num novo governo, como estamos vendo com Trump). Junto com isso, eles começaram a gastar mais para apoiar a resposta ucraniana a Putin.
Na Europa e nos EUA sempre que a economia vai mal algum oportunista aparece para culpar os imigrantes. O fato de alguns atentados na Alemanha terem suspeitos imigrantes não ajudou em nada. Foi nesse cenário que o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) surfou defendendo políticas radicais contra imigrantes e já é a segunda força nas pesquisas.
A eleição atual serve muito mais para decidir quem vai ter força para formar uma coalizão com o favorito Friedrich Merz, do CDU, do que ter grandes reviravoltas. Entretanto, a formação do próximo governo deve apontar o futuro do país e o AfD pode muito bem tomar o parlamento de assalto daqui quatro anos.
No domingo, maiores de 18 anos votam duas vezes. Primeiro para escolher os parlamentares de cada distrito e depois para indicar o partido que querem no Bundestag, o parlamento alemão (o Palácio de Reichstag, onde eu estive, é o edifício sede do Bundestag). Os partidos precisam de ao menos 5% desse segundo voto para conseguirem cadeiras no Bundestag, que deve ter no total 630 assentos nesse próximo mandato. Quanto mais votos, maior o número proporcional de cadeiras para cada sigla que ultrapassar os 5%.
Quem são os principais candidatos:
Democrata Cristão (CDU/CSU)* - centro direita: Friedrich Merz é tipo um José Serra alemão (pouco carisma e muita insistência e vontade de assumir posições de poder). Ele era adversário da Angela Merkel e chegou a abandonar a política temporariamente depois de ficar na sombra dela. Agora ele tem uma chance e é o favorito para ser o novo chanceler do país. Falando na Merkel, ela criticou a busca dele por apoio do AfD para aprovar uma lei antimigração. Os partidos alemães sempre mantiveram a extrema direita isolada e esse tipo de ajuda gera uma fissura nesse isolamento.
Alternativa para a Alemanha (AfD) - extrema direita: Alice Weidel (respira fundo) é uma mulher lésbica casada com uma imigrante do Sri Lanka e neta de um antigo juiz nazista. O AfD deve ser o segundo partido mais votado e está atualmente apenas 8% atrás do CDU. O partido também recebeu um apoio importante de Elon Musk, que apareceu em vídeo em um ato de campanha e disse que a Alice Weidel era a única salvação para a Alemanha. O vice de Trump, JD Vance, também fez um apoio velado dizendo que os partidos europeus estavam errados em isolar a extrema direita. O presidente da Hungria, Viktor Orban, também disse que o AfD era o futuro da Alemanha. Curiosamente, nomes tradicionais da extrema direita, na Itália, França e Reino Unido, têm mantido distância do partido. Não é pra menos, alguns dos apoiadores usam suásticas e o próprio AfD fez esse singelo anúncio “jogando o coração” para o público, como fez Elon Musk durante a posse de Trump.
Social Democrata (SPD) - centro esquerda: Olaf Scholz é o atual chanceler alemão e responsável pela eleição de setembro estar acontecendo em fevereiro. Mesmo sendo de um espectro ideológico diferente, o governo dele era basicamente uma continuação da gestão Merkel. Ele conseguiu montar uma coalizão com os Verdes e o FDP (um partido liberal pró-mercado). O governo de Scholz implodiu exatamente depois que ele demitiu o seu ministro das Finanças, Christian Lindner (FDP), depois de diferenças sobre o orçamento.
Outros partidos, como os Verdes, o FDP, A Esquerda (sim, esse é o nome do partido) e o BSW (Aliança Sahra Wagenknecht (sim, o partido é o nome da líder dele)), também disputam a eleição, mas concorrem muito mais para saber que tipo de força podem ter em uma possível coalizão do que qualquer chance de liderar um governo. Alguns desses partidos podem nem atingir os 5% mínimos para conseguirem cadeiras no parlamento.
Cara, você tem que ouvir isso
Nessa mesma viagem eu vi o show de uma banda só de mulheres chamada Gurr. Até tentei uma entrevista com elas na época, mas não rolou. Mesmo assim, continuei a ouvir o som. É bem legal e elas continuam na ativa.
Elas possivelmente inventaram a franja vegana santa cecilier, mas o Marquinho usa melhor que elas. Ele voltou assim do petshop na quinta e sinto que desde então está mais bravinho.
*O União Democrata Cristã (CDU) e o União Social-Cristã são dois partidos conservadores de centro direita que têm uma aliança política histórica. O CSU atua apenas no sul da Alemanha, na Bavaria, que é uma região bem rica onde fica Munique, enquanto o CDU foca nos outros 15 estados. Eles basicamente são o mesmo grupo político no parlamento.
Que a sua semana seja melhor que cerveja alemã.
Super texto! Vou passar para meu pai o FDP (nós usamos essa sigla também para Federighi de Pontes hahaha)
a franja do dog faria sucesso aqui na Sta Cê, urge um passeio no minhocão