Um homem já com seus 50 e poucos anos e quase sem cabelo entra no trem. Ele senta calado em um dos bancos vazios e mexe no celular.
Duas estações depois, uma mulher mais ou menos da mesma idade entra no vagão e cutuca ele, que sorri: “Oi, que coincidência”.
Ela é esguia, cabelos lisos e castanhos, com algumas mechas brancas. Em uma situação normal, em um bar, um restaurante, ou qualquer outra ocasião social, ela jamais olharia pra ele. O que falta de cabelo na cabeça, sobra de gordura na cintura. Mas ele é articulado, educado. É um cara simpático. Ele começa um papo de futebol, e, por incrível que pareça, dá certo.
- Você viu o jogo?
- Sim, inacreditável. O outro time, qual o nome mesmo?
- Borussia
- Isso. O Borussia pressionou muito no começo
- Sim, eles poderiam ter marcado pelo menos três gols
- Você acha que eles vão conseguir encaixar o Mbappé nesse time?
- Não sei. Pra mim, esse time do Real está ficando muito jovem. Muitos jogadores de 20 e poucos anos. E ainda vai chegar o Endrick
-Pois é. Pelo que me lembro, os últimos galáticos do Real não deram muito certo.
A conversa parece um debate entre dois cronistas esportivos ingleses e passeia por futebol, basquete e olimpíada. A linguagem corporal, porém, diz outra coisa. Já de pé, eles falam muito próximos um do outro, com ocasional toque no braço. O balanço do metrô faz com que eles quase tenham abraços involuntários a cada arrancada e parada.
Mario Benedetti escreveu sobre um encontro casual no metrô de Paris. Um uruguaio e uma argentina, que estão exilados por causa das ditaduras de seus países, ficam presos em uma estação depois de pegarem o último metrô do dia. Até então desconhecidos, eles conversam e estão dispostos a sacrificar 5 anos de vida para se tornarem um casal. O medo dos militares não é a única razão do exílio, mas, também, o receio de ter que assumir na terra natal que falharam ao tentar constituir uma vida na França. Tudo é caro. Falta tudo.
A Inglaterra não fica na América Latina, as veias não estão abertas e não há memória do subdesenvolvimento. Os amigos ingleses não estão presos, não existe hora fatal. Com o relógio marcando 20h35, e os seus parceiros a algumas centenas de quilômetros de distância, eles podem ir a qualquer lugar.
Ela desce na estação Gambetta. Ele também. Depois de uma viagem por oito estações e todo o esporte mundial, não resta muito a dizer. Um vinho? Quem sabe a popular (e verdadeira) desculpa dos percevejos para cavar um convite e poder dormir fora do quarto de hotel.
Nada. Os dois atravessam as catracas, sobem as escadas e se despedem com um aperto de mão antes de seguirem caminhos opostos.
Essa é uma história de ficção, mas geralmente escrevo coisas sobre o cotidiano e ruminações da vida. Também costumo dar dicas de música e cultura (quando tenho o que indicar). Gostou? Envie para um amigo e assi e para receber toda segunda no seu e-mail (caso ainda não tenha feito isso).
Fim das transmissões.