Grammy barra Milton Nascimento em edição dedicada a reparar injustiça com artistas negros
A premiação pisa na bola até quando tenta consertar os erros do passado
A imagem da baixista Esperanza Spalding segurando uma foto de Milton Nascimento com a frase “esta lenda viva deveria estar sentada aqui” provocou comoção entre os Brasileiros. Os dois artistas fizeram um disco juntos e concorriam na categoria de melhor álbum vocal de jazz.
A organização, entretanto, separou um lugar no salão principal para Esperanza, mas deixou o brasileiro na arquibancada. Como ele já é idoso e tem dificuldade de locomoção, preferiu não participar do evento. “Alegaram que ficariam nas mesas apenas os artistas que eles queriam no vídeo”, escreveu Milton no Instagram depois da confusão toda.
O simples fato de Milton ser um dos maiores músicos da história já seria motivo suficiente para participar da festa, mesmo que não tivesse um novo trabalho. Acontece que ele tem o mesmo mérito no disco que Esperanza, não é como se ele tivesse feito uma participaçãozinha e fosse convidado da americana. A porra do disco chama Milton + esperanza.
Eu sou da América do Sul
Eu sei, vocês não vão saber
A decisão desastrosa, xenófoba e racista do Grammy acontece bem na edição que a academia de gravações parecia querer fazer reparações a artistas negros que foram injustiçados no passado recente.
Beyoncé ganhar álbum do ano com Cowboy Carter é algo parecido com Scorsese vencer o Oscar de melhor diretor com Os infiltrados, não é o melhor trabalho dela e também não era o disco do ano em nenhum ponto de vista.
Brat, da Charli XCX, provocou mais comoção cultural, enquanto The torture poets department, da Taylor Swift, bateu recordes mercadológicos e ajudou ela a ter a turnê mais lucrativa de 2024. Beyoncé poderia ganhar com qualquer disco lançado entre Dangerously in love e Lemonade. Era fechar o olho e escolher um, mas sobrou para Cowboy Carter.
Da mesma forma, Kendrick Lamar foi esnobado rotineiramente pelo Grammy. Esse ano ele saiu como grande vencedor com sua faixa-treta Not like us, que ele acaba com o Drake e acusa o desafeto até de pedofilia. Não é o trabalho mais elegante, mais complexo e nem mais legal dele. É possível dizer até que é um trabalho menor numa discografia tão competente. Merecia ganhar melhor gravação e melhor música? Provavelmente não.
Além dos erros mais flagrantes em busca de um conserto histórico, o Grammy ainda teve inconsistências e contradições inexplicáveis.
Como é que a Sabrina Carpenter tem o melhor álbum pop e a melhor performance pop, mas quem leva a categoria de revelação é Chappell Roan?
E como explicar os Beatles vencerem melhor performance de rock em uma música que remendou uma demo antiga do John com uma guitarra do George e a finalização dos dois integrantes vivos (Paul e Ringo) conseguida apenas com a ajuda de uma inteligência artificial em três tempos diferentes? Performance não deveria implicar o artista no estúdio tocando e cantando no melhor das suas capacidades? Parece que performance não é o prêmio mais coerente para Now and then.
Essas não são as primeiras e nem as piores derrapadas do Grammy. Em 2018, eu fiz um texto acompanhado de infográfico que eu tenho bastante orgulho. Naquele ano, pela primeira vez em 60 edições, a premiação não teria um homem branco concorrendo na categoria de álbum do ano. A história da academia de gravações é recheada de racismo, machismo e xenofobia, mas tem alguns erros que parecem ser por eles simplesmente não gostarem de música. É o Grammy sendo Grammy.