Kafka arruma uma desculpa para não sair e Ian Curtis lamenta a louça suja
Como Max Brod pode ser considerado, ao mesmo tempo, salvador do trabalho de Kafka e castrador de sua personalidade
No fim de semana que passou eu tive conhecimento de que o Max Brod, amigo que salvou todo o trabalho do Kafka, é uma figura controversa. Segundo a Elif Batuman, alguns estudiosos acreditam que Brod tenha interferido na imagem que temos do escritor e chegou a ocultar passagens do diário de Kafka que contam sobre visitas a prostitutas. Eu automaticamente me lembrei desse papiro que diz que Jesus teve uma infância delinquente, inclusive usando seus poderes para cegar e matar pessoas quando era contrariado.
Voltando ao Kafka. Alguns estudiosos levantam até a hipótese de enfado de Kafka com Brod ainda em vida. Enquanto um era introspectivo, o outro falava demais. Brod, segundo Milan Kundera, não entendia a natureza de Kafka e castrava parte da personalidade do amigo com uma visão religiosa e equivocada. Elif concorda que Brod poderia ser um pouco insistente e resgata esse bilhete de Kafka a Brod como uma desculpa para não encontrá-lo:
"Estou tão mal que acho que só poderei superar isso se não falar com ninguém por uma semana, ou pelo tempo que for necessário. Se você não tentar responder de forma alguma a este cartão-postal, verei que você gosta de mim”.
Essa doeu. A própria Elif, entretanto, ressalta que a vontade do escritor era que todo o seu arquivo fosse queimado, e foi ao contrariar o amigo mais uma vez que Brod apresentou todo o tesouro kafkiano ao mundo. A isso devemos ser eternamente gratos.
A mesma coisa aconteceu com Van Gogh, Ian Curtis e qualquer outra pessoa que tenha encontrado sucesso apenas depois de morrer. Eles não estão vivos para perguntarmos o que eles estão pensando ou qual o significado das suas obras.
Love Will Tear Us Apart pode ser uma canção filosófica profunda sobre amor e questões existenciais de uma pessoa brilhante que tem epilepsia ou os resmungos de um jovem de 20 e poucos anos que não quer lavar a louça e se encontra em um relacionamento que já não quer estar. A viúva de Curtis fala em seu livro de memórias, Touching From a Distance, sobre a dificuldade do cantor do Joy Division em realizar tarefas simples e cotidianas, como aprender a dirigir ou arrumar a casa.
O curioso é que Ian Curtis segue como uma figura genial atormentada, mesmo sem tocar instrumentos, enquanto seus colegas de banda que criaram o som do Joy Division e superaram a morte do seu vocalista para encabeçar a cultura rave e atingir sucesso mundial nunca são tratados com a mesma reverência. Parece que todo mundo te ama quando você já está morto.
Esse vídeo mostra Stephen Morris, Peter Hook e Bernard Sumner revezando nos vocais em Ceremony. A música foi composta quando Ian ainda estava vivo, mas gravada oficialmente apenas pelo New Order.
lendo "paris é uma festa" agora, fico pensando se o hemingway queria ter seu querido diário publicado, sendo que ele é uma naja com todo mundo, menos com a hadley e a dona do shakespeare and company