Lembra daquela época que a Natalia Pasternak ainda gritava brava que não tinha acabado? Meus medos, ansiedades e tristezas seguiam em um pico, mesmo com os casos e as mortes por covid despencando. Achei que era o momento de, pela primeira vez, consultar um analista. Não para atender os pedidos das meninas dos aplicativos de namoro que só saíam com quem estivesse com a terapia em dia (aliás, sempre que alguém escreve orgulhoso em algum lugar que está tratado e medicado eu penso “o Kanye também), mas para tentar acelerar minha volta à normalidade.
O trabalho já tinha voltado pro presencial só que minha cabeça ainda estava em lockdown. Foi aí que eu comecei a pedir indicações aos amigos que, um a um, iam enrolando, esquecendo do assunto ou simplesmente dizendo que talvez não fosse ideal que tivéssemos o mesmo terapeuta. Não sei se analistas são tipo ministros do STF que não podem cuidar de pacientes amigos ou que tenham alguma ligação, se existe algum limite ético no qual ele precisa se declarar impedido de clinicar.
Decidi arrumar um por conta própria consultando todos os disponíveis no meu plano de saúde. Cada nome que eu encontrava não passava no crivo da pesquisa na internet. Não é fácil confiar em alguém para contar as coisas mais íntimas que você não divide nem com os amigos mais próximos, especialmente se o perfil profissional dessa pessoa é cheia de discursinho de coach. Agora que o discursinho de coach chegou à política, sinto falta de quando ele era apenas usado em RHs, esportes e, para azar da minha saúde mental, psicólogos.
Não que eu tenha nada contra a psicanálise, como a Natalia Pasternak. O problema é que, pra mim, a psicologia é tipo aquele amor platônico com uma pessoa que está sempre namorando quando você está solteiro e vice-versa. O timing nunca encaixou.
Eu era um menino branco de classe média, bom nos estudos e que jogava bola razoavelmente bem. A minha infância foi simples, mas nunca faltou nada e minha mãe compensava todos os possíveis defeitos do meu pai. Eu fui criado no interior com uma família conservadora e naquela época só quem realmente tinha algum trauma muito sério frequentava um psicólogo.
Quando meus pais se separaram, minha mãe até perguntou se eu e minha irmã não queríamos consultar um terapeuta. Bem nessa época tínhamos uma vizinha que, por coincidência, era coordenadora da escola da minha irmã. Ela era psicóloga. Essa mulher tinha as brigas mais barulhentas que uma pessoa pode ter com o marido, os filhos e até o cachorro. Gritos, pratos quebrados, portas batidas e sempre a voz que prevalecia era a dela. Os filhos nunca arriscaram levantar a voz. Talvez esse seja um tipo de psicologia? (risos).
Além do exemplo um pouco ruim de psicóloga que nós tínhamos ao lado de casa, minha cabeça de adolescente achava completamente normal ficar triste com a separação dos meus pais. A mesma lógica se repetiu todas as vezes que eu tive algum tipo de tristeza, ansiedade etc. Nunca foi nada incapacitante, eu sempre continuava trabalhando ou estudando, dependendo da época da vida. Atrapalhava? Demais, mas a vida seguia mais ou menos seu curso.
E por que, do nada, eu comecei a falar sobre terapia, você pode se perguntar. Outro dia estava conversando com um colega de trabalho e ele contava que ia uma vez ao ano ao quiroprata. “É como uma porta que você precisa colocar óleo de vez em quando”, ele dizia. Eu achei a história engraçada e demonstrei certo ceticismo, aí fiz uma comparação com a psicologia. Um segundo amigo disse que fazia análise e que ajudou muito. Esse segundo amigo me emprestou um livro de crônicas da Natalia Ginzburg*, uma escritora italiana, depois que eu falei de uma passagem dela que está no livro Três camadas de noite, da Vanessa Barbara.
Uma das crônicas da Ginzburg é sobre o analista que ela consultava em Roma. A relação dos dois é cômica e cheia de rituais. Ela vai descrevendo como, com o tempo, passou a ter uma simpatia pelo psicólogo, mas acaba pegando bode porque ele estava sempre arrumando simbolismos para os sonhos dela.
O que aconteceu com o divã?
Nós temos aquela clássica imagem do paciente deitado no divã com o terapeuta sentado em uma cadeira confortável tomando notas. Eu lembro de uma ex que é psicóloga e dizia que tinha medo de o analista dela pedir para ela deitar no divã. Aparentemente, o divã é uma evolução ou regressão do tratamento, não lembro bem (ou talvez não seja nada disso e eu esteja fazendo confusão), que é usado como ferramenta pelo terapeuta.
A New Yorker consagrou essa imagem nos excelentes quadrinhos que faz (aí acima um belo exemplo). No cinema e em séries, entretanto, o divã muitas vezes é deixado de lado, e paciente e analista sentam frente a frente.
Na ficção, a consulta a um analista aparece na maioria das vezes como uma fraqueza do personagem, Máfia no divã e Sopranos são os exemplos mais claros disso. Acho que a máfia não era muito simpática à ajuda psicológica.
A Natalia Pasternak enquadra a psicanálise como uma pseudociência porque esse campo de estudo, segundo ela, não consegue repetir os mesmos métodos de outros campos, como, por exemplo, a comprovação de eficácia de uma vacina. Ela diz inclusive que muitas vezes a relação de confiança criada entre paciente e analista e os desabafos proporcionados por essa confiança possivelmente ajudam muito mais na saúde mental do que qualquer técnica empreendida. O que me leva a questionar novamente até que ponto essa relação pode evoluir sem arranhar o distanciamento entre analista e paciente. Será que com o tempo o psicólogo não pode muito bem virar um amigo?
No filme Reine sobre mim, do Adam Sandler (e que ninguém aqui venha criticar o Sandman), ele interpreta um viúvo que perdeu a família no 11 de setembro. Só depois que seu amigo insiste muito, ele passa a se consultar com uma psicóloga. As sessões têm altos e baixo, mas é apenas com o amigo, ali na sala de espera, que ele chega à catarse depois que a analista diz que ele precisa contar a história dele para alguém, mesmo que não fosse ela.
E já que estamos falando do Adam Sandler… cara, você tem que ouvir isso.
*O livro chama Não me pergunte jamais.
PS-não é uma redundância o palhaço chamar Pagliacci?
Que a sua semana seja melhor que ter alta da terapia.
Obs adicional: eu adoro o divã! Detesto contar as coisas mais constrangedoras olhando na cara da pessoa. Prefiro mil vezes divagar olhando pro teto e esquecer que o outro tá ali.
Hahaha adorei! :)
A próxima vez que você quiser se aventurar na psicanálise, me pede que eu te indico alguém; sobre dividir analista: não se atende familiar ou cônjuge etc, se não for terapia de casal ou familiar, mas amigo vai de cada um. O que eu mais vejo de praxe é o analista consultar o que chegou primeiro sobre ser tudo bem pra ele ter um amigo frequentando também. Eu e a Mari dividimos analista por muito tempo, por exemplo. Eu indiquei a minha pra ela e deu tudo certo, mas, antes de seguir com a Mari, ela me perguntou se isso me causava algum desconforto e eu disse que não (e nunca causou mesmo, indiquei ela pra 300 mil pessoas). Já a Isa, para dar outro exemplo, achava o fim do mundo a ideia de querer falar mal da gente pra terapeuta dela e ela nos conhecer haha