Sylvia Plath nunca ouviu Beatles
E um pouquinho sobre o novo livro da Vanessa Barbara, uma excelente leitura para este restinho de ano
Comecei a ler o livro Três camadas de noite, da Vanessa Barbara. Ainda estou no segundo capítulo, mas já fiquei impactado com os paralelos que ela faz entre as dificuldades da maternidade dela (ou de personagens inspirados nela) com o fim da vida de Sylvia Plath. Na minha cabeça, Plath era uma escritora do começo do século 20, mas na verdade ela cometeu suicídio no mesmo dia que os Beatles gravaram seu primeiro álbum, Please please me.
Comecei a pesquisar possíveis influências da poesia dela nas músicas deles ou alguma informação sobre um contato hipotético dela com as músicas deles. A única coisa que encontrei foi que o Ted Hughes, que foi casado com Plath, disse em uma entrevista que ela nunca ouviu a banda. É difícil cravar com certeza porque Love me do já tinha uma certa rodagem nas rádios inglesas, mas não há fatos também para comprovar o contrário.
É engraçado como as pessoas podem estar tão perto e tão longe. O Lennon, por exemplo, morava em Nova York durante a ebulição do punk e existem mais registros sobre o Alex Chilton no meio dessa bagunça do que dele.
Foi nesse contexto que imaginei um encontro de Lennon com Plath um dia antes da gravação de Please please me e do suicídio dela.
O jovem John entra num café em Londres, onde iria gravar o disco de estreia dos Beatles. Tentando se recuperar de uma gripe forte, ele pede um chá quente e pergunta se pode se sentar ao lado da mulher que escrevia em um caderninho.
- O que você está escrevendo?
- Poemas
- Que legal, eu também escrevo poemas. Quer dizer, eu escrevo letras para as minhas músicas. Você já publicou alguma coisa?
- Sim, publiquei há pouco tempo meu primeiro romance. Que tipo de música você toca?
- Rhythm and blues, temos influência da música negra americana. Chuck Berry, Little Richard. Como chama o seu romance?
- A redoma de vidro. Por que você disse “temos”?
- Ah, somos um grupo. Eu e meu amigo Paul escrevemos as músicas, mas gravamos em quatro pessoas na banda. Somos de Liverpool e estamos aqui em Londres para a gravação de nosso primeiro álbum.
A conversa se estende por toda a tarde. Sylvia mostra algumas de suas poesias no caderno, e John cantarola algumas das canções dos Beatles. Ela acha as letras um tanto juvenis e aponta para o problema de a menina ter apenas 17 em I saw her standing there, mas elogia as melodias. Sylvia também dá algumas pastilhas para que John sinta menos dor de garganta.
Em um mundo paralelo, Sylvia, mesmo com a depressão e a perspectiva de uma nova internação com direito a eletrochoque, desiste de tirar a própria vida. Quem sabe eles até trocam informações e voltam a se encontrar no futuro. Ela com um Nobel de literatura debaixo do braço e ele militando sobre a paz mundial.
You May say I'm a dreamer.
Já estamos todos aqui vestindo nossas melhores roupas (Nike, patrocina o Marquinho) para esperar um 2025 melhor que o ano que está indo embora e desejando o mesmo pra você. De vez em quando a vida é ruim, mas é o que temos. Não se desespere. Como sempre, as ilustrações são da Isabella Pontes.