Capítulo 5 — Vida adulta
Um amigo insistiu para que eu fosse em uma festa no centro com ele. A desculpa era que eu precisava sair de casa após a demissão, argumento…
Um amigo insistiu para que eu fosse em uma festa no centro com ele. A desculpa era que eu precisava sair de casa após a demissão, argumento que muita gente usava para me ver. Pura besteira.
A festa tinha algum nome pretensioso e longo que eu nem consigo lembrar, e era em um prédio abandonado que deve ter sido o escritório de alguma grande empresa nos anos 1980.
Assim como naquela época, as pessoas usavam o banheiro para cheirar pó. A música eletrônica repetitiva me levava a crer que valium não seria suficiente para me manter de pé por 3 ou 4 horas no meio de completos desconhecidos.
_ Você é veado? Perguntou uma menina.
_ Não, mas acho esse termo pouco apropriado e bem homofóbico. A última vez que eu chequei, nós estávamos no século 21.
Ela saiu bufando, como se eu tivesse xingado a mãe dela ou coisa que o valha.
Eu não tinha pó e, para falar a verdade, não é a minha modalidade favorita, mas estava claro que eu precisava me embebedar. Depois da terceira cerveja e a segunda dose de Jack Daniels, eu tentei conversar com uma moreninha que dançava de olhos fechados. Como ela não saía do transe, resolvi cutucar ela no ombro. É, eu não tenho a menor ideia de como flertar, nunca tive, mas parece que é isso que as pessoas fazem no Facebook hoje em dia.
_ Eu gosto muito dessa música — ela disse da maneira mais evasiva possível e voltou a fechar os olhos.
_ O dj também. Ele está tocando ela faz meia-hora — eu respondi.
Depois de ser ignorado algumas outras vezes, convenci meu amigo a irmos beber uma última cerveja no bar do Estadão. Ele também tinha passado por um trauma, mas não estava encarando tão bem quanto eu. Depois de terminar um casamento de 11 anos, ele achava que deveria recuperar o tempo perdido. É como se nós fôssemos as duas pessoas mais velhas de São Paulo.
_ Como você tá? Ele me perguntou
_ Eu tô bem. Sobrou algum dinheiro da minha rescisão. Perdi alguma coisa tentando faturar nos cavalos, mas nada que vá fazer muita falta.
_ Se você quiser, eu posso ver algum investimento para você lá no banco
_ Pode ser uma boa. Mas e você? Já superou a separação?
_ Ainda não. Você sabe como é a rotina de trabalho, não me deixa refletir muito, mas todo dia eu chego em casa e tento bater uma. Eu demoro umas duas horas na minha punheta de pau mole.
_ Tenta assistir um pornô
_ É o que eu mais faço quando estou sozinho, mas eu sempre me pego procurando furos nos roteiros dos filmes.
_ Como assim?
_ Outro dia eu estava vendo um filme e o cara estava em um quarto de hotel. Ele sai do chuveiro com um roupão, recém acordado. O cara liga na recepção para pedir mais toalhas, mas quando ele vai abrir a porta para a camareira, a câmera mostra a cama arrumada. Quem é que arruma a própria cama em um hotel? Eu começo a pensar nessas coisas e quando eu menos espero a ereção foi embora.
_ Acho que o roteiro não é a principal preocupação da indústria pornográfica. Da próxima vez, tente passar adiante para o momento em que o cara já está transando com a camareira.
_ Eu sei, eu sei. Parece bobeira, mas não é fácil. Eu vivi 11 anos com aquela mulher e, principalmente depois que a Ju nasceu, minha libido foi para o espaço.
_ Por que isso?
_ Cara, você já entrou em casas com criança pequena?
_ Claro, eu tenho uma sobrinha, lembra?
_ Então
_ Então o que?
_ São bonecas para todo lado. Você entra no banheiro e não tem a menor chance de tocar uma. São mil brinquedos espalhados. Uma vez eu tentei abstrair tudo. Fechei o olho e fui. Quando eu terminei, percebi que tinha esporrado em cima de um boneco do Bob Esponja. Não é legal.
Do lado de fora, uma travesti brigava com um almofadinha. Pelo que eu pude ouvir, o cara achou ruim que ela tinha um pau (provavelmente maior que o dele) e agora não queria pagar o combinado, mesmo tendo ido até o fim com a transa.
"VOCÊ GOZOU, SEU FILHO DA PUTA", gritava ela- e eu não poderia deixar de pensar que meu amigo iria passar as próximas duas horas batalhando sozinho com um pau mole.
_ Talvez ela te faça gozar. E eu não estou nem brincando.
_ Vá à merda — esbravejou ele deixando uma nota de 20 no balcão.
Acho que amanhã vai ficar tudo bem.