São Paulo, te amo, mas tá foda demais
Você tá em casa assistindo o filme oficial da Copa de 1966 e mandando currículos. Seu telefone que está quebrado resolve finalmente tocar, e um rapaz muito simpático oferece um lançamento de apartamento por apenas 1 milhão de reais. Uma pechincha perto do que a concorrência vem oferecendo, ele diz.
Você diz que nessa vida não teria condições de comprar um imóvel deste valor e ele te oferece um de 700 mil no Alto da Lapa. 35 metros quadrados.
Você explica que se precisar morar com alguém esse apartamento já ficaria pequeno.
"Então vamos lá. Quanto você está querendo gastar?"
"Em que momento eu disse que estou querendo gastar?"
"Não, eu sei que o mercado está difícil, tô só tentando arrumar uma solução pro seu problema".
Você pensa por 5 segundos e responde: "Qual problema?".
O diálogo termina.
Só quem já foi acordado pela ligação de um corretor vendendo um apartamento minúsculo por R$ 1 milhão ou o barulho da obra que vai construir esse kitnet,
Quem caiu num buraco da rua, da calçada ou da ciclovia, e levantou esfolado pra terminar de chegar ao trabalho,
Quem chorou ao ver um sem-teto ser expulso do supermercado,
Quem deu risada de nervoso ao ver uma cerveja de R$ 20 no mais novo barzinho gourmet do bairro…
… e ainda assim escolheu morar aqui, sabe qual a sensação do que é São Paulo.
É como dizia o Itamar:
"São Paulo é outra coisa
Não é exatamente amor
É identificação absoluta"
Talvez seja uma síndrome de Estocolmo coletiva que faz as pessoas ainda lutarem por essa cidade. Algo como o "ela me odeia tanto que eu estou começando a gostar dela" que o George disse pro Seinfeld.
São Paulo tem algumas das pessoas mais legais do mundo e também o maior número de opções culturais do Brasil. Duvida? Me fale outra cidade onde você pode ver Kiko Dinucci na quinta, Dj Hum do domingo e Jards Macalé na segunda. Foi o que eu pensei.
Ao mesmo tempo, as distâncias, o trânsito, os constantes alagamentos fazem a cidade ser campeã mundial no cancelamento de rolês. E existe também aquela odiosa modalidade do “estou em tal lugar e lembrei de você”, mas a pessoa não te chama pro lugar. É triste. As autoridades também gostam de contornar as leis e o bom senso para construir mais prédios, poluir mais, varrer pessoas para baixo do tapete. Haja padre Júlio para tanto Ricardo Nunes.
Eu li algum tempo atrás um texto da Gaía Passarelli em que ela faz uma pergunta fundamental: Quando vão terminar de construir São Paulo?
Eu sugeri pra Isabella fazer uma música sobre esse momento eterno que São Paulo vive, e ela fez. Eu até ajudei (ou atrapalhei) com parte da letra:
Todo dia eu acordo quadrado com sons no meu amontoado habitacional
Ouço rádio, fumaça de carro, britadeira como uma orquestra de metais
Como nós os prédios disputam pra ver quem é que grita mais alto
E fingimos que estamos distantes mesmo que dentro de uma caixa de sapato
Quando vão terminar de construir São Paulo? Uuuuu (X2)
Uuuuuuu aaaaaaa uuuuuuu aaaaaa
O seu coração é um kitnet sem sala e uma privada no meio
Te enviei uma carta mas um carro atropelou o pombo correio
Ritalina pra aguentar a rotina no diário com a sinfonia industrial
Purpurina na pobre colombina pra enfrentar alagamento no carnaval
Quando vão terminar de construir São Paulo? Uuuuu (X2)
Uuuuuuu aaaaaaa uuuuuuu aaaaaa
A música não está pronta. A Isabella ainda não está confortável com ela, mas ela fez uma versão em português para New York, I love you but you’re bringing me down do LCD Soundsystem. Tem vídeo e tudo e está maravilhosa. O vídeo tá no começo do texto.
Crise dos 25 anos (texto tbtístico)
O texto tbtístico é mais uma vez uma contribuição da Isabella. Ela gosta muito desse texto que saiu no meu antigo blog do Estadão. Na época uma amiga do Rio estava chateada porque tinha perdido o emprego e eu me sentia meio impotente por não poder ajudar. Talvez esse tipo de crise nos acompanhe pro resto da vida, né? O texto segue depois da ilustração.
Uma namorada compartilhou há bastante tempo um texto em inglês que falava sobre a Quarter life crisis, algo como a crise do primeiro quarto de vida.
O que parecia uma bobeira na época, se mostra hoje muito maior do que a simples pressão de pagar o aluguel no fim do mês.
Eu não conheço uma pessoa sequer que esteja contente no trabalho e de alguma forma esse acaba sendo o aspecto mais importante das nossas vidas. É ali que conhecemos alguns dos nossos melhores amigos(alguns até arrumam namorados) e garantimos o leitinho das crianças, mesmo que não tenhamos filhos ou que eles sejam intolerantes a lactose.
Nessa entrevista, o Mat Cothran, da banda Elvis Depressedly, responde uma pergunta importante: “Quão quebrado você está agora?”
“Um pouco quebrado, mas estou feliz”.
Isso deveria importar muito, mas constantemente estamos correndo atrás de algo que talvez pudesse esperar.
O Elvis Depressedly é uma banda americana com um casal do tipo Kim Gordon e Thurston Moore, mas menos cool e mais fofinho. Em maio, eles lançaram um disco, New Alhambra, que vai na direção das gravações anteriores, mas com mais produção.
Ainda há a força do som acústico e som manipulado, mas o lo-fi tosco(no bom sentido) tem um tratamento mais delicado. O que se aproximava de Daniel Johnston, foi mais para o lado do Bright Eyes.
É nesse trabalho, escondidinho lá no final do álbum, que aparece a música mais bonita de 2015 até agora. Dois trechos se destacam:
1- “Se a gente fizer besteira, tudo bem, tem mais coisas na vida do que essas perdas de tempo”.
2- “É um mundo triste esse em que fomos criados. Você pode odiar, mas de que vai adiantar?”
Existem momentos em que coisas como perder um emprego ou brigar com um namorado parecem algo intransponível e talvez, naquele momento, realmente seja. É a crise dos 25 anos, de achar que temos que trabalhar para não entrar em estatísticas ou sermos apontados como desempregados. É uma época em que responsabilidades são jogadas aleatoriamente e não tem faculdade que te prepare para isso.
Aí chegam momentos em que não podemos fazer nada para ajudar as pessoas que estão passando por esses perrengues e essa impotência é quase tão dolorida quanto a situação dessa pessoa. Às vezes, não poder dar um abraço por questões geográficas ou por outros motivos de força maior é muito pior e todo o resto parece uma perda de tempo, como diz a música.
*O ensaio que minha namorada mandou contava com uma boa ajuda da ciência para fazer todos vivermos até os 100 anos ou com um grande desconhecimento de frações. Espero que a primeira opção seja o caso, porque eu vou viver para sempre ou morrer tentando.
Cara, você tem que ouvir isso
Três dicas nessa edição. A primeira é o Renato Rodrigues, que lança um EP chamado Consecutive Losses. O amor compartilhado por Replacements fez com que eu conhecesse o Renato e acompanhasse pelas redes sociais.
Falando em Replacements, eles estão lançando um caminhão de coisas gravadas na época do disco Tim. Alguns teasers estão saindo aos poucos para poder vender a caixa física antes de liberar tudo no streaming. Eles já mostraram um mix diferente de Left of the dial e ontem disponibilizaram uma versão linda de Can’t hardly wait apenas com o Paul Westerberg (voz e violão) acompanhado de um violoncelo.
O Bob Mehr, que escreveu a biografia da banda, conta um pouco da história da gravação. Parece que o Paul teve a ideia (que acabou não entrando pro Tim nem pra nenhum disco depois até agora) e convidou a recepcionista do estúdio pra tocar o violoncelo. A Michelle Kinney (a violoncelista) depois tocou com outras artistas reconhecidas como Sheryl Crow e Natalie Merchant.
O Bob também já ganhou dois Grammys pelos textos que ele fez para encartes de Replacements e Wilco, vale a pena acompanhar as postagens dele no Instagram.
Por último, ouçam a Giant Love. Fomos no Fatiado Discos entregar um pendrive com músicas da Isabella para o Steve Shelley, o baterista do Sonic Youth, e lá encontramos dois doidões com um disco autografado. Ficamos conversando por duas horas, eles recomendaram o show da Giant Love porque conheciam a baixista. Nós fomos e amamos. Talvez a Isabella entre na banda de um dos doidões, que chama Folk Youth, mas isso é outra história.
Em breve a Isabella estará lançando um disco solo com composições dela em que ela toca tudo. Legal, né?
Ah, entrou a nova temporada de The Bear, vocês já viram? Assisti a dois episódios e ainda não me pegou tanto quanto a primeira temporada, mas eles conseguem entranhar as músicas de uma forma tão legal. Wilco e REM foram as duas bandas que contribuíram muito para dar o tom de três episódios. Me pega muito o negócio de que ninguém sabe o que está fazendo e mesmo o Carmy que é um craque no que faz não gosta do trabalho. Acho que no final ninguém sabe muito o que tá fazendo, vamos levando pra ver onde vai dar. É como aquela fala do Bob Dylan no filme No Direction Home, do Scorsese: “Eu nasci muito longe de onde eu deveria estar e estou no meu caminho pra casa”. O duro é que não sabemos onde fica essa casa, ainda não inventaram o Google maps existencial.
Fim das transmissões.
Ler esse texto nesse clima cinza e polar que chegou na cidade num SÁBADO foi muito poético